A usucapião é modalidade de aquisição originária da propriedade tanto de bens móveis quanto de bens imóveis. Referida aquisição se conquista através da posse prolongada da coisa, cumprindo-se requisitos legais como coisa hábil, posse, tempo, justo título e boa-fé.
A coisa hábil ou res habilis é a qualidade que o bem tem de poder ser comercializado, não podendo assim se tratar de bem público. Já a posse deve ser contínua, pacífica, inconteste e realizada com animus domini, condição subjetiva que se refere à intenção de ter como sua a coisa, assim, a pessoa com animus domini, sobre determinado bem, age como se dono fosse. Trata-se de um requisito psíquico e abstrato que não está presente em situações do detentor, do locatário, do usufrutuário e do credor pignoratício, pois, embora estes possuam a coisa para si, eles encontram-se obrigados por um título à restituição do bem. A posse precisa ser mansa e pacífica, sem oposição, não clandestina e não precária, vez que se trata de aquisição da propriedade pela posse.
Outro requisito é o tempo e este será diverso a depender do tipo da usucapião, variando, para bens imóveis de 15 (quinze) anos à 2 (dois) anos, conforme previsão nos arts. 1.238 à 1.244 do Código Civil, lei nº 10.406/2002, bem como nos arts. 183, 190 e 191 da Constituição Federal. No mais, agir com boa fé, no contexto de aquisição pela usucapião, é o mesmo que dizer que o usucapiente ignora eventuais vícios ou obstáculos que eventualmente lhe impediriam a aquisição do bem. O justo título é a condição que a lei impõe ao possuidor de possuir justo título capaz de transferir-lhe a propriedade. Tais requisitos, boa-fé e justo título, são presumidos, ou seja, dispensa-se a prova, na modalidade da usucapião extraordinária, qual seja, 15 anos de posse ininterrupta.
O Novo Código de Processo Civil, em seu art. 1.071, o qual foi introduzido na Lei de Registros Públicos acrescido do artigo 216-A, firmou a possibilidade de exercer o requerimento da usucapião diretamente no Cartório de Registro de Imóveis, assim corroborando para o processo de desjudicialização e conferindo maior celeridade e segurança jurídica a este instituto.
Como no processo judicial, o requerente deverá estar assistido por advogado, visto a complexidade do ato postulatório. Neste sentido, o advogado deverá preparar o requerimento e acostar a este a prova documental pré-constituída com o objetivo de comprovar estarem presentes os citados requisitos legais da usucapião.
Dentre os documentos que devem ser juntados ao requerimento está a ata notarial, prevista no art. 394 do Novo Código de Processo Civil, assim, para lavrar a ata, o notário deverá se deslocar até o imóvel, objeto da usucapião, e poderá constatar o exercício da posse, diante do que for presenciado. Assim, “na ata, o tabelião verifica os fatos, os narra, materializando tudo o que se presenciou por meio de seus sentidos e, logo após, lavra um instrumento qualificado com a fé pública e força probante.” (BRANDELLI, Leonardo. Ata Notarial. In: BRANDELLI, Leonardo (coord.). Ata notarial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004, p. 113.)
Ademais, deverão ser também juntados ao requerimento planta e memorial descritivo assinado por profissional habilitado com prova de anotação de responsabilidade técnica (ART); certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade a natureza e o tempo da posse, tais como pagamento de impostos e taxas que incidirem sobre o imóvel.
Ato continuo, após o recebimento do pedido de usucapião pelo Cartório, será determinado a publicação de editais em veículos de grande circulação, bem como notificará todos os interessados e a Fazenda Pública. Ao final, com a apresentação de todos os documentos solicitados e na concordância de todos os notificados, o Oficial poderá realizar o registro do bem.
Vale ressaltar que a efetividade dos requerimentos de usucapião extrajudicial encontrava-se prejudicada pela previsão legal contida no art. 216-A da Lei 6.015/13 (Lei de Registros Públicos) que assim previa:
- 2 º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância. (grifos nossos)
Assim, se o confinante ou titular de direitos reais não se manifestasse, não se presumia sua anuência, diferentemente do procedimento judicial, no qual o silêncio do interessado notificado implica concordância tácita (Lei de Registros Públicos, artigo 213, parágrafo 5º). Ora, a previsão legal do citado § 2º se traduzia em verdadeiro óbice à efetividade da usucapião extrajudicial, visto que nem sempre é possível que todos os eventuais interessados se manifestem. Por isso, era evidente a necessidade de reforma deste dispositivo.
A reforma veio com a alteração legislativa promovida pela Lei 13.465/2017, o qual alterou nomeadamente o art. 216-A da Lei 6.015/73 “Lei de Registro Público” ficando da seguinte forma:
“§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância” (grifos nossos)
Deste modo, com a entrada em vigor da alteração legislativa, será interpretada como concordância a omissão dos titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo ou dos confinantes que não assinarem a planta e não responderem a notificação promovida pelo registrador no curso do procedimento de usucapião extrajudicial.
Referida alteração afere maior efetividade e agilidade à usucapião extrajudicial, especialmente evitando a postulação judicial de eventuais procedimentos administrativos atravancados pela ausência de consentimento e pela inércia dos interessados.
Pelo exposto, tem- se que o instituto da usucapião é dotado de importante função social, atribuindo à propriedade a quem dela se utiliza de maneira produtiva, e, por isso, é louvável que a lei confira possibilidade de sua realização administrativa. Busca-se assim, atribuir solução mais ágil ao usucapião consensual, contribuindo para regularizar situações fundiárias consolidadas.
NAJARA I. GUAYCURU GONÇALVES
É sócia-fundadora do Bezerra Gonçalves. Advogada atuante de forma abrangente em questões jurídicas atinentes às empresas brasileiras, principalmente nas áreas empresarial, consumidor e imobiliária. Além de advogada, também é empresária atuante no ramo imobiliário, possuindo, assim, vivência teórico-jurídica e prática nesta área.