Após o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n° 574.706, através do qual o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não compõe o faturamento das empresas e, assim, não deve compor a base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), tornando inconteste a possibilidade de restituição do ICMS pago a maior sobre o PIS e a COFINS, novas teses que pretendem a exclusão de valores equivocadamente incluídos na base de cálculo de tributos vêm tomando força.
Dentre as teses que buscam afastar a exigência indevida de tributos, merece destaque a tese que trata da possibilidade jurídica de exclusão do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) da base do PIS e da COFINS, eis que a matéria encontra-se pendente de julgamento no STF, RE 592.616, e o Relator do caso é o Ministro Celso de Mello, que proferiu voto favorável aos contribuintes no RE 574.706, supracitado.
Traçadas linhas gerais para enaltecer a relevância da matéria, insta elucidar que o PIS, Programa de Integração Social, foi criado pela Lei Complementar nº 07, de 07/09/70, tendo como finalidade promover a integração e participação dos empregados no lucro das empresas. Posteriormente, com a edição da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002 a Contribuição ao PIS passou a ser não-cumulativa, bem como ser recolhida à alíquota de 1,65% sobre o faturamento da empresa. A referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº 10.637/2002.
Posteriormente, com o advento da Lei n° 12.973/2014, que alterou a Lei nº 10.637/2002, restou estabelecido que o PIS deve incidir “sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica”, conforme disposto no artigo 1º, caput, da referida Lei.
Outrossim, a COFINS, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, foi criada pela Lei Complementar nº 70, de 30/12/1991. Segundo a referida Lei Complementar, a COFINS deveria incidir à alíquota de 2% sobre o faturamento da pessoa jurídica. Em 27.11.1998 foi editada a Lei nº 9.718, através da qual ficou determinado que a alíquota da COFINS passaria para 3% sobre o faturamento, sendo, no entanto, tal base de cálculo entendida como o resultado de todas as receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica.
Relevante mudança na exigência da COFINS para as pessoas jurídicas ocorreu com a edição da Medida Provisória nº 135, de 30 de outubro de 2003, pois tal como o PIS, através do referido texto legal, a COFINS passou a ser não-cumulativa. Posteriormente foi editada a Lei nº 10.833/2003, que manteve aquilo que foi determinado pela medida provisória citada. Ainda em vigor, a Lei nº 10.833/2003 também foi alterada pela Lei n° 12.973/2014, restando estabelecido que a COFINS “(…)incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.(…)” (art. 1°, caput, da Lei nº 10.833/2003).
Portanto, nos termos de toda a legislação ora mencionada acerca do PIS e da COFINS, fica constatado que a base de cálculo foi sucessivamente alterada para, hodiernamente, abarcar “o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica”. Porém, contrariando o entendimento defendido pelo FISCO, muitos defendem que o ISSQN não pode compor a base de cálculo do PIS e da COFINS.
A tese que defende a exclusão do ISSQN da base de cálculo do PIS e da COFINS lastreia-se, principalmente, na interpretação constitucional do tema. Destarte, urge trazer considerações acerca desta ótica.
Apesar de ter sido instituída pela Lei Complementar nº 7/70, ou seja, antes da promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, a Contribuição ao PIS foi recepcionada pelo texto constitucional vigente através do artigo 239 que assim dispõe:
- “Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o §3º deste artigo.
(…)”
Por sua vez, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, criada pela Lei Complementar nº 70/91, foi instituída com fundamento no artigo 195, I, “b” da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos:
- “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(…)
b) a receita ou o faturamento.”
Assim, com base no disposto na Constituição Federal, os contribuintes defendem que as citadas contribuições incidem apenas sobre a receita ou faturamento, entendido este como a totalidade das receitas auferidas no mês de competência pela pessoa jurídica e, portanto, não pode o Fisco ao exigir o pagamento do PIS e da COFINS sobre o ISSQN, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
Frise-se, por oportuno, que o ISSQN, Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, encontra seu principal fundamento de validade no artigo 156 da Constituição Federal, in verbis:
- “Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…) - III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”
Em verdade o ISSQN é um tributo de alçada Municipal previsto no artigo constitucional supratranscrito e regulamentado pela Lei Complementar nº 116/2003. Nos termos da referida Lei Complementar o fato gerador do ISSQN é a prestação de um serviço e a sua base de cálculo é o valor bruto do preço do serviço.
Assim, porque tanto o PIS como a COFINS são tributos que devem incidir sobre a receita ou o faturamento, jamais sobre o patrimônio, as receitas de terceiros, especialmente o ISSQN, que é receita do Município, devem ser excluídas da base de cálculo das Contribuições, pois do contrário ter-se-á um fato jurídico da base de cálculo mais amplo que o fato jurídico tributário, contido no antecedente da norma matriz de incidência tributária, o que, deflagraria ofensa ao texto constitucional.
Flagrante, assim, a possibilidade de interpretação analogia à hipótese de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, matéria já pacificada pela Egrégio Supremo Tribunal Federal, conforme supra arguido.
Os Tribunais Regionais Federais, ao julgarem o pedido de exclusão do ISSQN da base do PIS e da COFINS, têm proferido decisões favoráveis aos contribuintes. Nesse sentido é a atual jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região:
- TRIBUÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. ISS. EXCLUSÃO BASE CÁLCULO. PIS E COFINS. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. COMPENSAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA.– O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 240.785, já havia manifestado entendimento no sentido da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS.
– Ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706-PR, com repercussão geral reconhecida, os ministros entenderam que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, dessa forma, não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao financiamento da seguridade social.
– Cabe ressaltar que o v. acórdão eletrônico foi publicado em 02/10/2017 (DJe-223).
– Anote-se que a recente posição do STF sobre o descabimento da inclusão do ICMS na formação da base de cálculo do PIS/COFINS aplica-se também ao caso da inclusão do ISS, já que a situação é idêntica. Precedente.
(…)
– Apelação provida.
(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 2262747 – 0006130-84.2014.4.03.6114, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 21/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2018 )
(grifos acrescidos)
- TRIBUÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS E ISS. EXCLUSÃO BASE CÁLCULO. PIS E COFINS. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. COMPENSAÇÃO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS.
(…)
– O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 240.785, já havia manifestado entendimento no sentido da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS
– O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), como noticiado em 15/03/2017, por maioria de votos, decidiu que o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não integra a base de cálculo das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social(COFINS).
– Ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706-PR, com repercussão geral reconhecida, os ministros entenderam que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, dessa forma, não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao financiamento da seguridade social.
– Dessa forma, independentemente do quanto disposto pela Lei nº 12.973/2014, deve prevalecer o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.
– A recente posição do STF sobre o descabimento da inclusão do ICMS na formação da base de cálculo do PIS/COFINS aplica-se também ao caso da inclusão do ISS, já que a situação é idêntica.
– Nesse sentido, decidiu a E. Segunda Seção (Emb. Infringentes 2014.61.00.001887-9/SP, Relator Desembargador Federal ANTÔNIO CEDENHO, Segunda Seção, j. 02/05/2017; D.E. 15/05/2017.
(…)
– In casu, indevidos os recolhimentos efetuados a título de ICMS e ISS na base de cálculos do PIS/COFINS, ressalvado, porém, o direito da autoridade administrativa em proceder a plena fiscalização acerca da existência ou não de créditos a serem compensados, a exatidão dos números e documentos comprobatórios e o quantum, está adstrito aos valores ora questionados.
(…)
– Apelação e remessa oficial improvidas.
(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 366399 – 0015341-55.2015.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 16/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2017 )
(grifos acrescidos)
Assim, tendo em vista que o ISSQN, assim como o o ICMS, não podem ser entendidos como receita ou faturamento da empresa, eis que cuidam-se de receita do Erário Municipal e Estadual, respectivamente, inconteste a impossibilidade de integração da base de cálculo do PIS e COFINS, sob pena de ofensa ao à Carta Magna, conforme interpretação extensiva do entendimento exarado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal. Portanto, cabe aos contribuintes buscarem valer-se deste cenário para que haja o efetivo afastamento dos valores exigidos pelo Fisco.
HÉLLEN BEZERRA ANTONIO PETSCHELIES
É sócia-fundadora do Bezerra Gonçalves. Advogada atuante de forma abrangente em questões jurídicas atinentes às empresas brasileiras, principalmente nas áreas tributária, empresarial e contratual. Especialista em Direito Tributário, tem mais de 08 anos de atuação, atendendo a clientes de todos os portes, com ênfase em contencioso e planejamento tributário. Construiu parte de sua carreira em escritórios de grande porte, onde atuou como advogada contenciosa.