Formas de retomar a posse de sua propriedade juridicamente
Por: MARA YARA MOUTINHO
A perda da posse é uma circunstância muito comum e conhecida entre os agentes imobiliários. Para entender o que é, como identificar e quais ações cabíveis contra esse tipo de constrangimento, é necessário primeiro entender os conceitos de cada instituto.
O ordenamento jurídico brasileiro distingue Posse de Propriedade. Nem sempre quem tem a posse tem a propriedade e, muitas vezes, quem tem a propriedade não tem a posse direta.
Entende-se por “Posse” a exteriorização da propriedade. De acordo com o artigo 1.196 do Código Civil, considera-se possuidor aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. “Não é o exercício do poder, mas sim o poder propriamente dito que tem o titular da relação fática sobre um determinado bem, caracterizando-se tanto pelo exercício como pela possibilidade de exercício. Ela é a disponibilidade e não a disposição; é a relação potestativa e não, efetivamente, o exercício.” Assim é a definição de posse para Carlos Roberto Gonçalves. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.)
Por conseguinte, a posse pode ser indireta ou direta, modalidades previstas no artigo 1.197 do Código Civil, sendo esta a de quem exerce o poder de uso, tendo como exemplo clássico o locatário, e aquela refere-se a quem exerce todos os outros direitos menos o de uso, tendo, também, como exemplo clássico o locador/proprietário. A posse direta não anula a indireta, e o possuidor direto poderá defender a sua posse contra o indireto. Exemplo disso fica claro quando o proprietário do bem locado decide invadi-lo para usar um cômodo como escritório, sendo que o bem está na posse do locador. Este é quem possui a posse direta e pode, nesse caso, defendê-la contra a conduta do proprietário.
A propriedade, por outro lado, trata-se de um direito real previsto no Código Civil em seu artigo 1.225. É o direito de usar, gozar, dispor e possuir bens da maneira como quiser. A propriedade não se limita apenas a bens materiais, ela alcança também os bens imateriais como, por exemplo, direitos autorais de um escritor. Tratada no artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário tem amparo legal para reaver o bem de quem injustamente o possua ou detenha.
Finalizada a síntese de conceitos de posse e propriedade, dá-se início ao estudo de como retomar a posse da propriedade que foi irregularmente desconstituída. Para isso, é mister esclarecer as formas de perturbação do direito de posse, podendo ser entendidas como: Esbulho, Turbação ou Ameaça.
Em que pese a semelhança entre esses conceitos, ambas não devem ser confundidas.
O esbulho é modalidade de privação total da posse de um bem, é a retirada da posse de maneira forçada ou violenta. Como trata Maria Helena Diniz: “é o ato pelo qual o possuidor se vê despojado da posse injustamente, por violência, por clandestinidade e por precariedade.” (DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.)
A turbação é uma ofensa menor, alguns tratam como sendo um esbulho parcial, tendo em vista que ela não oferece a perda total do bem, tão somente uma perturbação ao proprietário. É a conduta que impede a posse por seu legítimo possuidor, podendo ser positiva ou negativa, sendo esta quando o agente ofensor impede que o real possuidor se utilize de seu bem gerando determinadas condutas desabonadoras, e aquela quando o ofensor invade, de fato, o imóvel.
Ameaça pode ser entendida como o receio justificado de ter o direito de posse violado pelo esbulho ou pela turbação. Basicamente, a ameaça é o que antecede as outras formas de perturbação da posse. Nem sempre ela pode ocorrer, mas, quando ocorre, o ordenamento jurídico prevê ação cabível para que não se concretize o esbulho e nem a turbação.
Para modalidades de perturbação de direito de posse, o Código Civil e o Código de Processo Civil preveem ações que podem ser cabíveis em cada uma dessas hipóteses; são as chamadas ações possessórias, as quais seguem um procedimento especial. O artigo 560 do Código de Processo Civil protege o possuidor para ser mantido na posse em caso de turbação, e reintegrado em caso de esbulho. As ações referentes são: reintegração de posse, manutenção da posse e interdito proibitório.
A ação de reintegração de posse é cabível quando o possuidor tiver sua posse ofendida pelo esbulho. Como essa modalidade traz a perda total do bem, a ação supra citada visa reintegrá-lo/reaver a posse.
Já a ação de manutenção da posse é cabível quando a ofensa à posse for mediante turbação. Esta modalidade trata-se do limite imposto ao possuidor legítimo, pelo ofensor, e por este motivo aquele deve ajuizar a ação em comento alegando a privação ou perturbação de seu exercício normal de posse.
Por fim, a ação de interdito proibitório deve ser usada de acordo com o artigo 567 do Código de Processo Civil, ou seja, quando o possuidor direto ou indireto tiver justo receio de ser molestado na posse. Nesse caso, pedirá ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandato proibitório.
Além de todo o mencionado, o autor da ação possessória poderá cumular seu pedido com outros previstos no artigo 555 do Código de Processo Civil, conforme segue:
Art. 555. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:
I – condenação em perdas e danos;
II – indenização dos frutos.
Todas essas ações possuem uma semelhança muito significativa, o que possibilita ao juiz substituir uma por outra quando entender que a ação proposta não é a cabível para o caso específico. Trata-se da fungibilidade entre elas, prevista no Código de Processo Civil, em seu artigo 554. Esse princípio também pode ter origem nos casos em que o réu, no curso do processo movido contra ele, pratica uma outra conduta de perturbação de posse. Assim, o ofendido pode amparar-se por esse princípio. É o que explica o Professor Antonio Carlos Marcato, segundo qual “por vezes o autor promove ação em razão de determinada conduta do réu e este modifica o estado de fato no curso do processo, impondo ao juiz, constatada tal circunstância, a concessão da tutela possessória pertinente.” (MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais – 10ª Ed. São Paulo, Atlas, 2004.)
Em cada uma das ações, cabe ao possuidor provar o seu direito de posse, a existência e a data da turbação ou esbulho, bem como a continuação da sua posse nos casos de ação de manutenção ou a perda nos casos de ação de reintegração. Esses requisitos, juntamente com os constantes no artigo 319 do Código de Processo Civil, estarão instruindo a petição. Ato contínuo, o juiz deverá deferir a expedição de liminar para a reintegração ou manutenção da posse. Vale lembrar que o tempo entre o fato do esbulho ou da turbação e a propositura da ação dirá qual procedimento será seguido.
Para isso, denomina-se a posse nova e posse velha. A posse nova é aquela em que o tempo mencionado acima é de um ano e um dia, e a posse velha ocorre quando esse prazo for superado, ou seja, quando passar mais de um ano e um dia. O procedimento adotado para a posse nova é aquele previsto nos artigos 560 a 568 do Código de Processo Civil, enquanto a posse velha obedece ao procedimento previsto no artigo 558, parágrafo único.
Conclui-se que, embora existam maneiras de perder a posse de sua propriedade injustamente, também existem formas previstas em nosso ordenamento jurídico que possibilitam a reversão dessas situações, como as ações possessórias postuladas para o fim de reavê-las.
Tem-se, com o estudo elaborado no presente artigo, que posse e propriedade são institutos jurídicos que englobam cuidados rígidos. Um breve descuido do possuidor pode constrangê-lo a perder sua posse. No entanto, é possível contornar essas circunstâncias usando os mecanismos mais seguros, qual seja, a máquina judiciária.
MARA YARA MOUTINHO
Formada em Direito pelo Centro Universitário de Jaguariúna. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale.
Experiência em contencioso trabalhista de modo geral, além de atuar diretamente com o Magistrado nas audiências e na formulação de despachos e decisões. Experiência também na administração pública no suporte à secretário jurídico e Prefeito.
Atuação temporária em Cartório Eleitoral, com referência reconhecida.